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População trans e acesso à saúde reprodutiva

  • Foto do escritor: Forum Aborto Legal RS
    Forum Aborto Legal RS
  • 24 de jan.
  • 5 min de leitura

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29 de janeiro é Dia Nacional da Visibilidade Trans. Conversamos com a vereadora Natasha Ferreira (PT), primeira travesti a ocupar um lugar na Câmara Municipal de Porto Alegre, e com Sondre Alberto Schneck, enfermeiro, homens trans, professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, integrante do FALRS e do Coletivo de Enfermagem, Parteiras e Obstetrizes pelo Direito de Decidir (CEPOOD), sobre os desafios e demandas da população trans.

 

FALRS: Quais as principais pautas para o campo dos direitos sexuais e reprodutivos para a população trans?

Natasha: Queremos construir uma cidade travesti. Uma TRAVESTICIDADE que mobilize a energia da combatividade e do afeto, que são tão importantes para a história das pessoas LGBTIQIA+. Nosso amor, nossa sexualidade, nossa identidade e nossa existência incomodam a elite do atraso. Pensamos no fortalecimento de políticas públicas de saúde pública em termos de direitos sexuais e reprodutivos para a população trans, na criação de protocolos de atendimento para a Prefeitura de Porto Alegre para homens e mulheres trans. E também na dignidade menstrual,  com acesso gravídicos e melhores atendimentos humanizados e especializados. Buscamos a criação de casas de acolhimento para pessoas LGBTI+ vítimas de discriminação e um programa de apoio emergencial para renda imediata em situações de vulnerabilidade. Além disso, atuaremos na linha de frente de combate a qualquer projeto da extrema direita que tente regredir direitos sexuais e reprodutivos da população trans.

 

FALRS: Como ser mulher travesti na Câmara Municipal de Porto Alegre é importante para outras pessoas trans?

Natasha: Ocupar este espaço na Câmara Municipal de Porto Alegre como uma mulher travesti é algo que exige muita responsabilidade e é motivo de orgulho. Essa conquista não é só minha; ela representa um marco para todas as pessoas trans e travestis que, infelizmente, por muitas vezes, não enxergam a possibilidade de ocupar lugares de poder e decisão. Estar aqui é uma prova de que podemos, sim, romper barreiras e reescrever nossa história. Espero que minha trajetória como a primeira vereadora travesti inspire outras pessoas LGBTI+ a acreditarem que também podem e que juntas possamos construir uma sociedade mais inclusiva e justa para todos.

 

FALRS: Ano passado tivemos três PLs na Câmara Municipal que ameaçaram os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, meninas e pessoas que gestam. De que forma a vereadora pode ser mais uma aliada para barrar estes retrocessos?

Natasha: Como vereadora, acredito que meu papel é ser uma voz ativa e vigilante contra qualquer tentativa de retrocesso desse governo. Pretendo atuar como uma aliada estratégica, articulando com movimentos sociais, organizações feministas e outras lideranças comprometidas com os direitos humanos. Defender políticas públicas é uma prioridade no meu mandato. Promoveremos debates para mobilizar esforços para garantir que os direitos  sejam protegidos e ampliados. Essa luta é coletiva e urgente e estarei aqui para somar forças e resistir a esses ataques misóginos e transfóbicos.

 

FALRS: Por que a luta pelo direito ao aborto legal e seguro é importante para a comunidade LGBTI+?

Sondre: Na Constituição Federal de 1988, no capítulo referente ao Sistema Único de Saúde, o SUS, está o conceito de equidade , que é um de seus princípios: significa tratar de modo igual os diferentes porque cada pessoa de modo singular e cada população tem uma necessidade específica. A comunidade trans experimenta uma diversidade no modo de viver, de expressar seus desejos, sexualidade e a própria presença na sociedade e tem necessidades específicas de saúde. Homens trans e transmasculinos, assim como mulheres lésbicas ou bissexuais, podem engravidar por decisão própria ou em decorrência de violência sexual. E, no caso de violência sexual, essas pessoas têm direito a acessar os serviços de aborto legal. Daí vem a importância dessa luta para essa população.

Nesse sentido, é importante que os profissionais e trabalhadores do  SUS, seja no modelo de financiamento público ou no sistema suplementar, tenham a  preparação para atender essa comunidade segundo suas especificidades. Na prática, isso significa saber lidar com o uso do nome social, estabelecer relações de confiança e respeito, respeitar o direito ao acompanhante. Esses são elementos que vão fazer com que, por exemplo, uma pessoa trans não tenha que passar por um processo de assujeitamento, ou seja, não tenha que deixar de lado os atributos que a constituem enquanto homem trans ou transmasculino para poder passar pelo atendimento em saúde ou pelo processo de interrupção da gravidez com menos dano possível a sua identidade e a seus direitos. Além disso, é necessário apontar o direito à contracepção pós-evento obstétrico como direito inalienável da população LGBTQIAPN+ no campo dos Direitos Sexuais e Reprodutivos.

 

FALRS: Quais os desafios que estão colocados para a população trans na defesa do aborto legal e na ampliação do direto ao acesso para todas as mulheres e pessoas que gestam?

Sondre: A falta de acesso ao serviço de saúde ou o atendimento marcado por violência e discriminação determinam a condição de saúde da população LGBTI+, impactando sobretudo sobre sua saúde mental e resultando em barreiras e mais violações de direitos. Se é difícil para uma pessoa trans acessar uma unidade básica da atenção primária, que é a porta de entrada do serviço, imagina para uma mulher lésbica ou bissexual ou um homem trans que estão com gestação decorrente de estupro. Essas pessoas já não conseguem acessar os serviços essenciais, quem dirá o serviço mais especializado. Não há uma preparação para esse atendimento porque os serviços estão organizados em torno de uma norma social com padrões heteronormativos e cisnormativos, que desconsidera que mulheres lésbicas, bissexuais ou homens trans podem precisar de um aborto. Ou seja, se não é imaginado que homens trans possam exercer práticas sexuais com penetração, jamais vai se imaginar que esses homens trans possam sofrer violência sexual ou serem estuprados.


Como desafios, há o enfrentamento à visão patriarcal articulada por meio de grupos fundamentalistas religiosos e ultraconservadores e a necessidade de conscientizar a sociedade de que a masculinidade trans não pretende ser cópia de masculinidade cisgênera, branca, violenta, agressiva e heterossexual. Um terceiro desafio é compreender que homens trans também estão vulneráveis à questão da violência. A experiência de transmasculinidade não se expressa somente com mulheres ou com pessoas do campo da expressão do feminino. É preciso compreender que, mesmo com a transição de gênero, alguns  homens trans têm o desejo de engravidar e se reproduzir e exercer parentalidades específicas. E é importante considerar que eles devem poder ter acesso ao planejamento reprodutivo, da mesma forma que podem ter gestação indesejada. Nós, da comunidade de homens trans, temos o direito a exercer nossa sexualidade como desejamos e isso pode incorrer em gestação e, se for decorrente de uma violência, temos o direito a acessar o serviço de aborto legal.

E dizer por fim que não há somente um modo de se experimentar enquanto uma pessoa trans. Essas especificidades são reconhecidas por meio de interações positivas com profissionais da saúde dos diversos níveis de atenção que, sem realizar nenhum julgamento, devem estar aptos como eu já mencionei a estabelecer relações de confiança e respeito. Isso garante nossos direitos no âmbito do Sistema de Saúde.


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